quarta-feira, 10 de outubro de 2012

MARCIO REZENDE FALA DA FINAL DE 95 ENTRE SANTOS X BOTAFOGO

Falta pelo lado esquerdo do campo, bem próxima da linha lateral. A bola é levantada na área, há o desvio e Túlio empurra para o gol. Botafoguenses eufóricos, mas ao mesmo tempo apreensivos, tentavam fazer o relógio andar o mais rapidamente possível. Afinal, o placar significava mais do que números: era o desenho de um sonho, do primeiro título brasileiro do Botafogo. E para quem já tinha o empate a seu favor, uma bela vantagem logo aos 24 minutos do primeiro tempo. Porém, o lance que elevou o atacante Túlio Maravilha ao posto de um dos principais jogadores que já vestiram a camisa do clube virou motivo para uma discussão eterna - e que abre a série "Apitei", que resgatará, pela visão dos árbitros, momentos polêmicos do futebol brasileiro.

ex-árbitro Márcio Rezende de Freitas (Foto: Agência Gazeta Press)
Márcio Rezende de Freitas durante a final de 1995.(Foto: Agência Gazeta Press)

As câmeras mostravam o artilheiro em posição irregular, o que não impediu o árbitro Márcio Rezende de Freitas de validar o lance. O problema é que a redenção carioca era a derrota de uma geração que fez o torcedor voltar a acreditar no Santos. E um pequeno gesto pode ter influenciado a sequência de equívocos que vem à tona toda vez que os times se encontram: a polêmica de 1995. Ao fim da primeira etapa, em um encontro naquele Pacaembu coberto por santistas, algo aconteceu.

- No intervalo do jogo, o Narciso (zagueiro do Santos) veio me falar que o gol do Botafogo tinha sido impedido. Aí eu vi que meu bandeirinha ficou branco. Eu meio que perdi a confiança nele. Passei a assumir mais os lances. Mas acabou tendo outro gol, do Santos, o de empate, que também foi irregular, e bem próximo do bandeirinha. Mas isso eu não vi, porque não tinha como ver. Depois, fui assumir um monte pra mim e mandei o bandeirinha ir para o fundo. E a TV diz que o único gol legal foi anulado - lembrou o ex-árbitro Márcio Rezende de Freitas, que apitou a partida

O assistente citado por Márcio Rezende de Freitas é Evaristo de Souza. Os lances acabaram sendo capitais. No gol de empate do Santos, Marquinhos Capixaba levou com a mão, e a bola sobrou limpa para Marcelo Passos mandar um chute certeiro para o fundo das redes. O outro momento-chave da decisão aconteceu em cobrança de falta. Márcio Rezende foi à linha da pequena área, olhou o lance e anulou o gol de Camanducaia. No entanto, o tira-teima mostrou o meia 59 centímetros atrás de Leandro Ávila no momento em que Marcelo Passos efetuou a cobrança em direção à área. Erro que Márcio Rezende chamou para si.

- Nem olhei para ele (o bandeirinha Evaristo de Souza). Eu assumi (o lance) mesmo.

Questionado sobre o que mais lembrava daquele 17 de dezembro de 1995, o ex-árbitro foi sucinto ao dizer que “ficou marcado por erros” e admitiu os equívocos. Ao apito final, seguiram as cobranças.

- Todo mundo (cobrou após a partida). Eu tinha vencido três troféus Charles Miller (prêmio dado ao melhor árbitro do Brasileiro na época). E mesmo com aquele erro ganhei o troféu.

Passados 17 anos daquela partida no Pacaembu, neste período, Márcio Rezende não apareceu em Santos. Tudo apenas por opção.

- Não vou nem para passear, nem para nada. Nunca fui nem antes, nem depois (do jogo). Antes ia para apitar os jogos apenas.

Mas não foi escalado para partidas na Vila Belmiro, a casa do Peixe, após aquela decisão. No entanto, poucos anos depois, apitou novamente um Botafogo x Santos (em 12 de novembro de 1998, no Caio Martins, com vitória do time da casa por 2 a 1). Os erros naquela fatídica decisão, segundo Márcio Rezende, não prejudicaram sua carreira.

- A imagem até sim. Mas a credibilidade, de forma nenhuma. Em 1996 quem apitou de novo (a final) fui eu. Teve Grêmio e Portuguesa. A Portuguesa era campeã até o fim do segundo tempo, e o Ailton acertou aquele chute. Meu modus operandi e minha credibilidade continuaram. Continuei apitando da mesma forma, sabendo que o erro faz parte do jogo - disse Márcio, que também comandou duas partidas da Copa do Mundo de 1998, sendo uma delas da anfitriã França.

O reencontro com o passado, porém, foi inevitável.

- Já encontrei com o Camanducaia e com outros jogadores. Às vezes falam: “Aquele dia foi f... hein, Márcio”. Mas eu falo: “Meu amigo, errei como vocês erram também. Não venham me falar que não perderam gol feito no jogo. E perderam.” Mas vai ficar sempre mais fácil apontar os erros dos árbitros. Nunca vi a imprensa, incisivamente, às vezes pegar em cima do jogador. Pega em cima dos árbitros.

Atualmente comentarista, o ex-árbitro admite que, mesmo com recursos tecnológicos, é difícil lidar com as situações de jogo.

- Como analista de arbitragem, hoje minha vida é muito mais tranquila. Às vezes eu erro também, mesmo com a ferramenta da televisão. E não tem tanta crítica como quando eu apitava. É mais fácil ter como bode expiatório o elo mais fraco da corrente, que é o árbitro, que não tem proteção, não tem nada. E fica por isso mesmo. Muito por culpa da representatividade dos árbitros, desde a minha época. Acaba não tendo representatividade nenhuma. A associação não se fortalece, a CBF não dá uma cobertura como deveria dar. Coisas do gênero.

Mesmo expondo ainda mais os donos do apito, o uso de recursos avançados é necessário na visão de Márcio Rezende.

- Às vezes a tecnologia não vê até o que tem que ver. Não sei se ela é vilã. Até porque às vezes a gente precisa de uma imagem, e você não tem essa imagem. A tecnologia não vê tudo, porque ela é operada por humanos. Humanos falíveis também, que às vezes erram, como o árbitro erra. Só que, se a gente usar essa analogia, a coisa cai mais para o lado do árbitro do que da cobrança da imagem que não tinha.

Por Cassius Leitão e Diego RodriguesRio de Janeirowww.globoesporte.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário